Saudades da carqueja prussiana que pontificava na Buchholz. Saudades dos livros de cartão da Minerva e das ilustrações do Augustinho para a Europa-América. Saudades das matronas ramelosas da Livraria Portugal, que preenchiam o Totobola enquanto não vinha a hora do cozido e desconheciam merdas como O Retrato de Dorian Gray. Isso é que eram tempos, ó Pacheco.
Eram livrarias de pessoas, feitas de pessoas e para as pessoas, em que os livros não eram instrumentais, mas eram um “mundo” em que todos participavam. Esse mundo está a desaparecer para o comum dos portugueses e a deslocar-se para os consumidores “de culto” ou para os consumidores de “papel pintado” e capas todas iguais, ou para aqueles que dizem que lêem no iPad e não lêem coisa nenhuma.
Ora, pois claro. Li mais em quinze dias de iPad do que num mês de paperbacks. Despachei um Dickens, um Henry James e um Conrad — mas não vale a pena contrariá-lo: antigamente havia homens e agora há ratos. É a pobreza, o deserto afectivo, o saque de Constantinopla. Venham o papiro e o pergaminho; a banheira e a navalha.
😀
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Henry James, qual?
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The Europeans. Julgo que vai gostar, se ainda não o conhece.
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Já li e gostei. Gosto de todos os livros de Henry James.
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Grande foto.
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É um detalhe da morte de Marat.
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Como é que uma alemã que dizia «não se pode mexerrr» se coaduna com a ideia de «que os livros não eram instrumentais, mas eram um “mundo” em que todos participavam»? Não percebo.
Sabes, Luís, o que me leva a não gostar de Pacheco Pereira é o facto de ele possuir uma vaidade tão intensa que o impede de apreciar ou tão-só aceitar algo que não seja o que PP admite como apreciável ou aceitável. Mas, simultaneamente, aprecia as coisas consoante a posição que ele ocupa em relação a elas. Em suma: é inteligente, sim, mas intelectualmente desonesto.
Se tiveres paciência e tempo — e ainda não tiveres lido, claro –, lê esta estrevista conduzida por Maria João Avillez em 1994: http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=eppereira. Saliento o seguinte excerto:
MJA – Em que país vivemos hoje? Por exemplo, como caracteriza a sociedade portuguesa neste fim de século?
JPP – O país mudou radicalmente. Hoje tem expectativas e padrões de vida a caminho dos europeus. Em 74 não tinha, em 94 tem. Hoje mesmo aqueles portugueses com mais dificuldades têm acesso a um consumo que não é distinto do europeu. O progresso material, a riqueza, os bens, a possibilidade de as pessoas possuírem coisas e terem a capacidade de mandar na sua própria vida tornam a realidade mais complexa, sobre todos os pontos de vista: económicos, sociais, políticos. É uma sociedade em que nem tudo necessariamente melhora, mas em que fazer política vai ser cada vez mais difícil. E isso é bom, porque a pobreza faz sociedades a preto e branco, e essas são as únicas que são fáceis de governar.
MJA – Uma visão optimista?
JPP – Sim, é verdade, tenho uma visão positiva sobre as reais transformações do meu país. Quem disser que isto não mudou ou que mudou pouco, não conhece o país.
MJA – Mas um país não se pode medir apenas pela sua saúde económica ou pelo acesso de todos ao consumo. E a alma? Alguém está a cuidar dela? O que é Portugal hoje?
JPP – A alma não é matéria de política. Só os regimes totalitários é que têm “política de espírito”. Cada português tem obrigação de cuidar da sua alma, que eu cuido da minha. Nem o Estado nem a política “stricto sensu” têm nada a ver com isso.
E agora está preocupado com as livrarias tradicionais?!… Enfim.
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Mas estás a ver como ele diz coisas acertadas em resposta à galinha desvairada da Avillez. O Pacheco, por muitos defeitos que tenha, vale por cinquenta opiniões makers do partido dele. De resto dou-te razão: para o Pacheco as coisas tornam-se verdadeiras assim que ele as diz.
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Sim, sim, sobretudo a última resposta. E sim, talvez valha, mas — e agora recorro à expressão do próprio — isso diz mais sobre os outros do partido dele do que sobre ele
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Sem dúvida.
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E, já agora, também gostava que ele explicitasse a quem se refere quando escreve «todos participavam». «Todos participavam» parece-me uma visão muito pequena e selectiva da sociedade em que se encontrava inserido.
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É uma coisa meio feudal, um mundo reles mas organizado, sem angústias. Julgo que é disso que ele sente a falta.
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Fica por explicar o desvario maoísta; ou, porventura, é precisamente aí que reside a explicação.
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A Sá da Costa está assim tão decadente, como diz o Pacheco? Se está, não se nota. Aipás, papel, tabuínhas de ardósia – discussão mastronça: a cada um lhe faça o maior dos proveitos.
O Pacheco tem um programa na Sic Notícias que é uma gigantesca punheta à Narciso. Mas esgalhada com luva acetinada e piruetas de pulso! Ai aquela atracção pelo espelho! Por outro lado, é um tipo de vasta cultura, cuja opinião é amiúde sensata,
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Lol.
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“Saudades da carqueja prussiana que pontificava na Buchholz”
Oh quantas! Devo-lhe uma das minhas medalhas de bravura em combate: ter conseguido gamar nas barbas dela o “Solo Guitar Playing” do Frederick M. Noad. Aquele sobretudo amplo dava-me sempre muito jeito. Mas disso ninguém fala: dos tempos em que, para os menos abonados em escudos, o gamanço nas livrarias – também ele praticamente extinto, hélas! – se tornou uma forma de arte superior.
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O seu comentário fez-me lembrar isto:
http://www.nybooks.com/blogs/nyrblog/2011/mar/22/who-would-dare/
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Muito bom. Vou usá-lo. 🙂
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Go ahead.
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Apesar do progresso do mundo e não sei quê, ainda se consegue roubar. Na fábrica do braço de prata, por exemplo. Na Fnac, também, mas é preciso uma paciência dos diabos.
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Eu tenho saudades do tempo em que compravamos os volumes de crónicas do saudoso Pacheco na Bucholtszch. Desde que as passaram para a internet não é a mesma coisa.
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O problema não é o Pacheco é o “Pacheco Narciso & Espelho”
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