Tarde piaste.

A Europa, que negou à Turquia a entrada na União (eram pretos, eram árabes, cheiravam mal), que negociou cordões de segurança com a Líbia para conter a imigração ilegal (eram pobres, eram porcos, falavam alto) manifesta agora a sua comoção perante um povo que se levanta pela liberdade e pela justiça, nas palavras meigas de Rompuy.

De um dia para o outro fechamos a tenda, espantamos os camelos e mandamos o líder carismático para a puta que o pariu. A festa estava boa mas há um povo que se levanta, Muamá. E quando um povo se levanta, a Câncio desperta de seis anos de anestesia realista e já não há nada a fazer. Quando um povo se levanta limpamos o pó aos valores e a senhora Muznik discorre sobre os riscos do fundamentalismo islâmico. Quando um povo se levanta a nossa direita liberal-salazarista incha de virtudes democráticas e recorda Chávez, Fidel Castro e Erdoğan mas esquece, porque estão tão longe, Berlusconi ou Sarkozy.

Ah, isto vai soar lindamente nas ruas do Cairo e nos arrabaldes de Tripoli. A Europa dos direitos, a Europa dos princípios, a Europa que lhes cerrou as fronteiras, que lhes mimou os vergudos, que os fodeu com punhos de renda enquanto estavam prostrados agora levanta-se para os aconselhar.

Ajuda-te a ti próprio e todos te ajudarão, escrevia Nietzche. Vai aprendendo, Abdul.

9 pensamentos sobre “Tarde piaste.

  1. Excelente e certeiro Luis M. Jorge.
    Só estive uma vez na Turqia asiática (em Istambul estive várias vezes), o Cairo e Tripoli não são mistério para mim. O grande problema com os turcos não é connosco, mas sim com os alemães, os tais que pagam a conta de toda a gente.
    Os líbios e tunisinos sobram para os italianos, aos milhares.
    Aki vamo-nos esgueirando por entre os pingos da chuva.

    😦

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  2. Não desdenhe dos seis anos de anestesia realista, que foi parturiente nesse entretanto – concebido em geração espontânea – de um Dryfus vindo ao mundo no j’accuse do DN, astro grande de nossas esferas. Foi também emissora de uma saudável repugnância face aos totalitários que da sarjeta das gazetas lhe salpicaram a oxidada gramática e o alcandorado banqueiro. Valeu aí vintiquatro Arendts. E isso é uma realíssima obra de que nos orgulhamos.

    E bem regressado seja do exílio transalpino p’ra aterrar (n)o carnaval hansmorgenthauzinho.

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