Perdoem-me a altivez um pouco autofágica de citar um post em que o Francisco José Viegas cita outro post meu. Faço-o, porque me parece um bom começo de conversa:
O problema do país não é jurídico nem legal — é político. Não é preciso ler o Sol nem as decepcionantes defesas oficiosas do regime, e do centrão, para o perceber. Desde há três anos que o problema é mais vasto. É a indiferença do país (tanto em relação ao endividamento externo de 177 mil milhões, como à propaganda e à mistificação, como a questões elementares de direitos e liberdades); a impunidade do poder e do Estado; o carácter manhoso da corte que Sócrates espalhou por uma rede influente e distribuída pelo Estado e pelas corporações; a rede de interesses e compromissos que junta negócios, influência na imprensa e decisão política; um PSD pouco empenhado e, sobretudo, pouco hábil que espera que Sócrates caia de maduro. A gritaria não vai poupar ninguém.
Reproduzo também esta reflexão, para que não nos faltem avisos:
Guerra é guerra. Nesse cenário, a oposição gostaria de ter encostado José Sócrates à parede — e de ter o PS como aliado moral para se desfazer do primeiro-ministro. Um favor destes teria um preço enorme, sobretudo para a oposição que quer estar na salinha-de-espera aguardando mais negócios e colocações, como tem sido costume. Essa ideia, certamente generosa, encontra alguns senões, sendo o principal o facto de José Sócrates ser um lutador que vende cara a derrota, se é que a vende. Por isso, toda a gente caiu em cima dos socialistas que desafiaram a oposição para uma moção de censura; não percebo porquê.
Resta por isso uma pergunta: como vai ser?
O primeiro-ministro não vai deitar a toalha ao chão mesmo que seja expulso de São Bento com alcatrão e penas. A resiliência é o seu traço de carácter mais interessante, o único em que alcançou grandeza. Não o veremos lamentar, como Guterres, a pátria que não o merece. Sócrates não será embaixador na ONU, alto-comissário para os pobrezinhos, nem eminência parda do auxílio à Serra Leoa. Pelo contrário, vai atazanar o país nos próximos dez anos, ainda que o país não o queira e o abomine. A sua sombra vagueará pelo PS como o espírito mau da defunta Rebecca em Manderley.
Os primeiros alvos serão Cavaco Silva, um estratega imprestável, e a oposição interna — meiga, balbuciante, espostejada. Mais tarde ou mais cedo (possivelmente mais tarde) será defrontado nas urnas, se os lemmings do PSD aprenderem a nadar. A crise, que ele provocou com alacridade, talvez seja a sua salvação.
Sócrates está ferido. Mas um tigre ferido não deixa de ser um tigre. Quando ele passa, os bichos sobem às árvores.
Luís
Gostei muito desta análise. Mas não sei se percebi bem qual a estratégia que proporia para a oposição. Quando diz que se a oposição está à espera em vez de agir, o que sugeria? É que qualquer das várias estratégias é muito arriscada, dada a situação precária do país, a sua fragilidade financeira.
Não vejo grandeza nessa “resiliência”. Grandeza é a capacidade de ver a realidade, da auto-avaliação, assumir os erros, ser capaz de se redimir. Com este PM, não veremos isso.
Veremos esse agarrar-se ao poder, porque é ele que o justifica. Foi assim com Mário Soares também. Sem o poder, murcham.
O que eu gostei desse paralelo cinematográfico com o fantasma de Manderley… magnífica metáfora! Magnífica!
Ana
GostarGostar
Que se passa aqui??? Há um rapazola, que só tinha trabalhado – até hoje não foram especificadas as funções- num banco de crédito pelo telefone e foi colocado num cargo de elevadíssima responsabilidade, auferindo 2,5 milhões de euros ao ano, pagos pelo contribuinte. Não foi manobra: o assunto sempre esteve no domínio público. Onde, os actos de penitência, as declarações evergonhadas? Que ambiente político mais viscoso, invertebrado…
GostarGostar
Devo ser bruxo: o “boy” em causa acaba de se demitir.
GostarGostar
Excelente, Luís – valeu a pena esperar uns dias. O país também tem um problema legal, mas deriva do político, pelo que este último é, de facto, O problema.
Só uma nota: o país necessita de bichos que não subam às árvores quando o tigre passa. Não é para qualquer um? Pois não.
GostarGostar
Ando um bocadinho ocupado, meus caros, peço desculpa pelo atraso em publicar os comentários.
GostarGostar
de acordo, Socrates é grande na sua capacidade de se agarrar ao poder, destruindo o país para continuar a mandar nele se assim tiver de ser.
So what? Quem se vai lixar somos nós…
GostarGostar
Exacto. E durante pelo menos uma década.
GostarGostar