A conspiração dos estúpidos.

Quando escrevi o título deste post, o corrector automático modificou a palavra “conspiração” para “inspiração”. Alguém, nos subúrbios de São Francisco, considera que o meu vocabulário deve ser adaptado aos usos de um analfabeto funcional. Não precisamos de nos afastar muito para vermos o que está errado no nosso tempo.

No momento em que escrevo, Donald Trump tem uma hipótese real de ocupar a Casa Branca. Marine Le Pen será, provavelmente, a próxima Presidente de França. Após uma campanha reles, indigna de uma velha democracia, a Grã-Bretanha deixará a União Europeia. No Brasil, a quadrilha que derrubou Dilma elevou um fanático imbecil a Prefeito do Rio de Janeiro.

Durante algum tempo julgávamos que a abundância de informação disponível através dos novos meios de comunicação (canais por cabo, redes sociais, podcasts) nos tornaria mais lúcidos e racionais. Puro engano. Os piores instintos da populaça tomaram de assalto quase todos os espaços da opinião informada.

A direita portuguesa mal consegue disfarçar a satisfação, ao observar todas estas vitórias sobre o “politicamente correcto”. Mas o que é o “politicamente correcto”? Honestidade, decência e empatia, pouco mais. Milhões de pessoas em Portugal e no mundo consideram que estes são valores a combater.

Não será apressado prever que tempos de terror se aproximam. Assim que uma das grandes nações ocidentais ficar nas mãos dessa chusma repugnante, alterar-se-ão as regras do jogo democrático e do diálogo entre as nações.

Sem qualquer controlo sobre o nosso futuro, resta-nos seguir os exemplos de Joyce, Pessoa e tantos outros. Recolhimento e exílio.

31 pensamentos sobre “A conspiração dos estúpidos.

  1. “Alterar-se-ão as regras do jogo democrático…” Bem, a mim parece-me ser de uma Kristalina evidencia que o jogo há muito que está viciado, uma espécie de “vermelhinha” sem bolinha. Dir-me-á que muita gente finje, que muita gente mente, mas a grande diferença é que os politicos fizeram carreira disso. Trump ? Miss Wall Street ? Bah !

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      1. Se as sondagens se estreitam por alguma razão é : Hillary deveria ter nesta altura, se o bom senso imperasse, vinte ou trinta pontos de vantagem. Aparentemente metade do eleitorado, ou quase, prefere um salto a pés juntos no desconhecido com Trump do que eleger uma Presidenta que representa os interesses de 1% do 1% da população. É o desespero a que se chegou e os Americanos acreditam mesmo em milagres.

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          1. Caríssimo Luís, constata-se que a América sempre foi mais «Os três Dukes» do que a inteira filmografia de Woody Allen…

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  2. Não está bom não senhor http://fivethirtyeight.com/features/election-update-yes-donald-trump-has-a-path-to-victory/

    Sobre redes sociais, num contexto de media enfraquecidos, vale a pena citar:
    “Las redes sociales no enseñan a dialogar porque es tan fácil evitar la controversia… Mucha gente usa las redes sociales no para unir, no para ampliar sus horizontes, sino al contrario, para encerrarse en lo que llamo zonas de confort, donde el único sonido que oyen es el eco de su voz, donde lo único que ven son los reflejos de su propia cara. Las redes son muy útiles, dan servicios muy placenteros, pero son una trampa.” daqui http://cultura.elpais.com/cultura/2015/12/30/babelia/1451504427_675885.html

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  3. Interrogo-me se é para a populaça que devemos olhar no momento de identificar os piores instintos. É uma imagem bastante enraizada, essa de uma turba de descamisados insensíveis ao respeito pelo próximo e à empatia para com o outro, mas será assim tão implausível que os piores instintos se aprendam nas melhores famílias e nas mais elitistas instituições?

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    1. Não, claro que não. Trump é aliás um bom exemplo. Mas suponho que os grandes manipuldores chegam de cima e quem vota neles vem de baixo. A especificidade, neste caso, é que quem se sente em baixo já se sentiu superior – branco, protestante, senhor do mundo, etc.

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      1. Caríssimo Luís, e se tudo for mais singelo? E se a América profunda se estiver nas tintas para o restante mundo, farta de bulir para o Império global decretado em Nova York e Los Angeles, as duas borbulhas cosmopolitas situadas nas respectivas margens oceânicas? E se a regra for Sarah Palin e Donald Trump e a excepção for Barack Obama e o casal Clinton?

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  4. Mas porque será que Nigel Farage, o líder do UKIP, anda na comitiva de Trump e este fala cada vez mais em repetir o Brexit, desta vez in the ole US of A ?
    Simples: Se se está satisfeito com o status quo vota-se Hillary. Senão vota-se Trump.
    (e se se for apoiante de Bernie Sanders fica-se em casa…)

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      1. Bom, eu até posso perceber a referência aos comunistas dos anos 30, mas quem nomeou Hitler chanceler foi o Presidente da Alemanha, Paul von Hindenburg, que por acaso detestava o cabo do bigodinho.

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  5. Creio que sabe, mas “A Conspiração dos Estúpidos” é um excelente livro publicado a título póstumo em 1980, salvo erro, escrito por John Kenney Toole, um norte-americano que acabaria por suicidar-se com cerca de 30 anos. Não há-de ter sido por acaso.

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      1. Um homem escrever um bom livro, matar-se antes de ver a obra impressa e acabar esta a servir de calço sem ter sido sequer lida é caso mesmo para uma pessoa fazer como o Joyce ou o Pessoa e ir para dentro.

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  6. Não há só dois lados. Ao contrário da Clinton, o Trump é um fenómeno novo, que desestabiliza o sistema. Não é o candidato típico da direita conservadora rural americana, aquela que tem como caricatura o dukes of hazzard. Faz parte de uma certa elite urbana, meio desbocada, meio fura-vidas, que tem pouco em comum com o bible belt ou com a mórmons, que geralmente o desprezam e têm já o seu candidato. Muitos conservadores afastaram-se dele e outros apenas o apoiam para não correrem o risco de o seu partido ficar em minoria no congresso.
    O apoio dos eleitores também tem várias razões: desde os que se sentem abandonados pelo governo (os blue collars das zonas urbanas deprimidas), aos isolacionistas, e aos que, pelo contrário, pensam que o poder da América no mundo irá renascer com ele. Muitos do que votavam democrata vão votar nele, e não é por de repente terem ficado menos empáticos para com os outros, ou por terem passado a frequentar a missa.
    Portanto, quem fez as contas com base numa certa geometria demográfica – negros, latinos, jovens e mulheres urbanas para um lado, e o resto para o outro lado, reproduzindo o sistema tradicional – enganou-se.
    Já agora, o sistema eleitoral americano é complicado. Mas o mesmo povo que inventou a padronização e todos os pequenos gadgets que nos facilitam a vida até ao tédio, também inventou o basebal. A propósito, ganharam os Cubs de Chicago, que já não ganhavam há mais de cem anos. Tenho acompanhado e sinto-me como o Bo Duke a ver um campeonato do mundo de futebol jogado pelos pauliteiros de miranda.

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  7. Há um fenómeno de banalização da estupidez e da boçalidade que favorece claramente o Trump. Se analisarmos ponto por ponto ele não é qualitativamente diferente de muita gente que ocupou ou ainda ocupa cargos de responsabilidade. Ele apenas se singulariza por acumular as asneiras todas, mas em tudo foi antecipado por excelsas personalidades, não sendo mais do que uma súmula da contemporaneidade. Não é mais ignorante que Reagan ou Bush filho. Não é mais sexista que Strauss-Kahn, e não ficará certamente muito atrás de Clinton e Eliot Spitzer, por exemplo. A sua predilecção por muros também não é realmente original, sendo que esta é uma ideia francamente popular em muitos países desenvolvidos, começando na Europa e indo até Israel. Realmente só por distracção ficaríamos muito surpreendidos pelo triste estado a que se chegou. E ele nem sequer consegue bater os records de estupidez. Bem mais estúpidos – de longe – são aqueles que vão votar nele.

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  8. Trump pode bater os recordes da estupidez mas a Clinton bate os da cupidez: Uma verdadeira máquina de
    angariar dinheiro. Se procurarem informação sobre a Fundação Clinton ficarão espantados com a montanha dele que amassaram em poucos anos.
    Agora imaginem-se chefes de familia da classe média, (o que é provavelmente o caso), com filhos a entrar na idade adulta. Eles pertencem ao que os Espanhois chamam “geração Ni-Ni” : Nem casa nem emprego.Vós mesmos acordam todas as manhãs na angustia de saberem que o trabalho está por um fio. Olham em redor e vêm que para os do 1% do topo é business as usual: O pequeno tremor causado pelo escandalo dos Panamá Papers está convenientemente esquecido e os off-shores continuam a trabalhar a todo o gás. Terça-feira vão votar cheios de raiva e desespero. Em quem será ?

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    1. Manuel, sera’ que vao votar no gajo que também faz parte dos 1% e que promete baixar, ainda mais do que a Clinton, os impostos para os ricos? Ja’ que estão cheios de raiva e desespero também podiam ir dar com as cabeças num muro de granito, que não eram mais estupidos por isso do que votando em Trump. Se calhar pensavam que antes viviam em plena democracia e igualdade; que a oligarquia foi inventada por Bill, Barack e Hillary, certo? E ver gente que se diz de esquerda contribuir para esse peditório, isso e’ que me “diverte” ainda mais. Verte por ai’ demagogia e cinismo, e em barda!

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  9. Este é o link para uma entrevista feita recentemente por John Pilger a Julien Assange na Embaixada do Equador em Londres, onde este ultimo está recluso há 4 anos.
    “The secret world of the US election” está falado num Inglês muito pausado, logo facil de entender. Para aqueles que mesmo assim enfrentam algumas dificuldades um icon no canto inferior direito do monitor activa as legendas, o que pode ser uma ajuda.
    John Pilger não carece de apresentação, pelo menos para quem vive na anglo-esfera. Assange, o criador e editor do Wikileaks, muito menos. O mundo seria provavelmente muito pior sem a existencia de ambos.
    Enjoy !

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    1. Caro manuel, aquilo a que você chama uma “entrevista” parece mais um tempo de antena de uma organização cuja natureza nunca chega a interrogar (e devia). Na verdade parece dar razão ao meu post: sim, Clinton talvez tenha ganho dinheiro com gente pouco recomendável. (Ou talvez não, certo? Uma fuga de informação pesadamente editada não é um tribunal). Na sua hierarquia de valores isso é um bom motivo para abrir caminho à eleição de Trump?

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  10. Não, não é. É apenas a recusa de ser moralmente complacente com alguem que, sendo o paradigma da corrupção moral e do uso do poder para satisfazer ambições próprias, devemos no entanto aceitar pela simples razão de ser o mal menor. Essa caução, essa legitimação, leva inevitavelmente ao desarme das vontades que devem ter a força de lutar contra as iniquidades que Hillary Clinton representa.
    Quanto à entrevista, que diz ser como tempo de antenna, o passado de John Pilger deveria merecer mais respeito.

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