Quando alguém faz uma coisa muito estúpida raramente aceitamos que seja capaz de um acto inteligente. No caso do PSD, é certo que a proposta da revisão constitucional foi estúpida, mas o modo como está a gerir a aprovação do orçamento não é.
Há muito que Pedro Passos Coelho decidiu viabilizar os desvarios de Sócrates. Mas para que esta decisão não cause dissensões internas nem provoque o cinismo dos eleitores, o país inteiro tem que erguer-se num apelo lancinante e suplicar-lhe que faça o supremo sacrifício das promessas recentes.
A operação está em curso. Manuela e Pacheco, com a perspicácia habitual, exigiram aquilo que de outra maneira teriam contestado. Cavaco, de moto próprio ou com aviso prévio, empunha bandeirinhas em nome dos consensos. Os abrantes, anónimos ou ilustres, urram pela responsabilidade do líder da oposição. Jornais e blogosfera em peso imploram-lhe que nos condene à negra miséria socialista.
A pergunta é esta: quando deve Passos Coelho aceder aos berros pungentes da pátria? Resposta: no último minuto.
Até lá, mais vozes se unirão ao coro. E o povo conhecerá dia após dia, se as agências de comunicação não forem parvas, aquilo que deve conhecer: os delírios galantes dos ajustes directos e dos eventos, das comemorações e das chazadas. A dissipação abjecta dos recursos públicos por amigalhaços e correligionários. O sofrimento dos almeidas santos e dos pedros soares. Depois, só depois, virá a aprovação — e com ela o negrume.
De maneira que a situação é a seguinte: Passos Coelho não está acabado. Vocês é que estão.
Elementar. Sócrates e sua corte é para dourar a lume brando. Quanto mais tempo, melhor assentarão depois as vestes messiânicas a Passos Coelho.
Ontem, nesse potlatch televisivo que é o Prós & Contras, Maria Antonieta reencarnou em Mário Soares, que afirmou que as pessoas vinham muito satisfeitas para as manifestações, que era uma grande alegria, faziam ali uma bonita passeata Avenida da Liberdade abaixo, e outras farpas de semelhante quilate. Comei brioches e quedaivos por casita, disse Soares. O pior foi ouvir aqueles três decanos estarolas em amena cavaqueira e dar por mim achando que, ao lado de um político actual, qualquer deles assumiria dimensões napoleónicas, um perfil de filósofo clássico. That’s how bad we are.
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“Maria Antonieta reencarnou em Mário Soares, que afirmou que as pessoas vinham muito satisfeitas para as manifestações, que era uma grande alegria, faziam ali uma bonita passeata Avenida da Liberdade abaixo, e outras farpas de semelhante quilate. Comei brioches e quedaivos por casita, disse Soares. ”
Isto é muito engraçado.
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É uma teoria interessante. Se for de facto um cunning plan, a lembrar os do Baldrick (Black Adder), para já o resultado é a descida do PSD, nos últimos 4 meses, de 10% nas sondagens, estando agora abaixo do PS, bem como a oferta de bandeja ao Governo\PS da possibilidade de aparecerem diariamente como a única opção sensata, responsável, com sentido de estado para governar, já que a alternativa é alguém que, nem que seja apenas aparentemente, considera a hipótese de pegar fogo à casa para não gastar dinheiro com a mobília. O que, tendo em conta a crise que já se vive, provavelmente nem eles sonhariam ter nos dias que correm tal oferenda.
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A isso chama-se wishful thinking: para já recordo-lhe que quem pegou fogo à casa foi o PS, ainda se lembra? Há um mês a sua “opção sensata” queria fazer TGVs. Depois, se leu o post recordará o que eu lá digo: que a proposta de revisão constitucional foi uma asneira do tamanho do mundo — e foi aí que o PSD desceu nas sondagens. Quando Passos Coelho for empurrado, em nome dos “interesses do país”, para a aprovação do orçamento saberemos quem cai — se os que aprovam, se os que lá ficam a levar com a merda que criaram.
Por fim, não me venha para aqui falar do “sentido de estado para governar”: há coisas tão ridículas que nem a um comentário se admitem.
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Fui obviamente mal interpretado: não sou eu que os acho isso — “opção sensata”, “sentido de estado”, e afins. São eles que, repito, graças a PPC se permitem fazer passar por tal. Pela simples razão da alternativa ser pior (meses até ao novo governo, duodécimos, etc.). Se é um cunning plan, resultou nisto. Nada mais. Não se amofine.
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Nunca. Em ambos os sentidos.
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“Há um mês a sua “opção sensata” queria fazer TGVs.”
Mas como acabaram por recuar em que medida e’ que essa intencao (nao realizada) teve (ou tem) um efeito negativo no presente ou para o futuro do pais?
Eu nao quero chatear muito, mas concretamente quais foram as responsabilidades especificas e originais deste governo no desencadear da situacao em Portugal em contraste com factores exogenos como (i) a crise
internacional; (ii) a desorganizacao politico-economica da UE e/ou com os factores seculares associados a opcoes estrategicas erradas tomadas sucessivamente pelos governos do Cavaco, do Guterres e do Barroso?
Por outras palavras, em que e’ que este governo e’ pior do que os que o antecederam? Por que devemos esperar que seja pior do que o seguinte?
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