Welcome.

Embora tal possa surpreender o leitor, não é contraditório ter convicções de centro-esquerda e combater pela qualidade da vida democrática em Portugal… Não, caro amigo, as exigências da cidadania não são em absoluto incompatíveis com o socialismo moderno… Não são, não senhor… Homem, já lhe disse que… Jorge quê?… Ah, desconheço… Caro amigo, isso dos contentores é apenas uma inadvertência, eles acabam por cair em si… Garanto-lhe, leitor… Vá lá, não sejamos derrotistas… Olhe à sua volta… Pronto, então não olhe… Bom, nesse caso talvez seja melhor começar por aqui.

Todas as emoções fortes desembocam na melancolia. 

Os homens nunca perdoam a quem maltrataram.

É a vergonha, não a culpa, que extingue os pecados. 

Atribuimos geralmente ao carácter as falhas da imaginação. 

“Sou pouco ambicioso”, diz o humilhado. 

Se tiveste um berço curto, vais ter um corpo largo.

Amanhã, no DN.

As petites différences ideológicas não nos impedirão de ser justos: o extraordinário incremento de 222 para mais de 1000 escolas com nota positiva nos exames nacionas de matemática, em apenas um ano, é a prova incontestável da grandeza do senhor primeiro-ministro, e um resultado evidente do seu esforço glorioso para elevar os padrões do nosso ensino a pináculos tão exigentes como os da exigente Finlândia.

Quoque tu, brute?

Metade dos meus leitores de longa data, alguns deles velhos amigos, juntaram-se numa conspiração a favor do mamarracho em Alcântara. Cada post a defender aquela inconsciência é um punhal cravado no peito desta cidade. Oh, ignominia — vê-se bem que não sois lisboetas.

O tempo das convicções.

O senhor António Mota, presidente do grupo Mota-Engil, escreveu uma coluna no Diário de Notícias para celebrar a grande entrevista que o primeiro-ministro concedeu, com extrema generosidade, ao Diário de Notícias. Se isto lhes parece um bocadinho autofágico esperem pelo climax: em relação às grandes obras públicas, explica desinteressadamente o timoneiro da maior construtora do país, estou em completo acordo com o Governo. Todas esta obras já deviam ter sido feitas há, pelo menos, uma década.

O senhor Mota, que é um espírito prático, não ignora a crise. Mas acredita que esta será ultrapassada pelo doce milagre da convicção, abundantemente exibida na ditosa entrevista que ele volta a mencionar com assombro. Ao mesmo tempo que agradece o alto talento motivador do primeiro-ministro, o seu apoio à banca e a garantia de 20 milhões de euros, o senhor Mota nunca refere, estranhamente, o porte magnífico, a inteligência invulgar, a cultura vasta, a simpatia contagiante e o fino sentido de humor de Jose Sócrates — abrindo assim mais uma janela de oportunidade aos outros colunistas do Diário de Notícias que lhe queiram completar o estimável raciocínio.

O senhor Mota, no início desta sua apologia, afirma  que chegámos a um tempo de convicções. Pois foi. E Jorge Coelho, na majestade do seu gabinete, aponta-nos o caminho a seguir.

Os bólides.

A troco de uma bagatela, a Renault conseguiu fechar a avenida entre o Restauradores e o Marquês de Pombal ontem e hoje. Para quem mora aqui, o espectáculo resumiu-se a um ultraje ensurdecedor entre basbaques apinocados. Para quem aqui trabalha, foi a ruina: os clientes habituais fugiram como o diabo da cruz, e os mirones não vão às compras na Purificación Garcia. Espero que o vereador Marcos Perestrello tenha metido algum dinheiro ao bolso, pois assim nem todos ficavam a perder.

(Adenda, com uma excelente ideia — a da bazuca)

Nada parva, a rapariga.

A modelo é Pauline Borghese, irmã de Napoleão Bonaparte.

E aqui também:

A obra evoca o julgamento de Paris, com Pauline a fazer o papel de Afrodite (segura uma maçã na mão esquerda). Nesta sala da Villa Borghese, por cima da escultura, existe um fresco com o mesmo episódio.

A tabela.

Os nossos liberais podem emudecer perante as implicações ideológicas da crise internacional, mas os socialistas fazem pior quanto às implicações políticas da crise portuguesa: eles tentam intimidar os seus adversários. Os insultos de alguns apoiantes desta maioria a quem critica o primeiro-ministro ou revela dados desfavoráveis ao seu desempenho roçam o descontrolo patológico. Desde dedicatórias em prosa poética a filhos da puta, até peixeiradas em torno de dados estatísticos aparentemente insuspeitos, já vi de tudo nas últimas semanas. 

Por explicar ficam as obras em Alcântara sem concurso público, as tentativas de alteração mal enjarcadas ao regime do financiamento partidário, ou a descida de Portugal num ranking de liberdade de imprensa até hoje tido como respeitável — aparentemente, os cidadãos não precisam de respostas. 

Há dias o Atlântico publicou uma tabela em que se revela a evolução de indicadores económicos que, se forem verdadeiros, são desastrosos para o país. Vasco Campilho mostra-nos as reacções.

Terraço.

Jantei no restaurante Terraço do Hotel Tivoli. Já ouvira falar muito de Luis Baena, responsável pelo menú, e tinha uma elevada expectativa a respeito da sua criatividade e sentido de humor.  Trata-se de uma cozinha muito irónica, que faz a recriação de pratos tradicionais até ao limite do reconhecimento e lança uma piscadela de olho ocasional à fast food — como ocorre com o McSilva, um pequeno hamburguer de bacalhau que vem à mesa em embalagem da McDonalds. O menu de degustação abunda em pirotecnias nem sempre felizes, mas é impossível esquecer o sorvete de manjericão preparado à mesa com azoto líquido, a salsicha de sapateira, o pequeno bitoque com ovo de codorniz e batata insuflada, o esparguete de chouriço, o gelado de maçã assada e muitas outras surpresas de uma refeição com nove pratos geralmente delirantes. 

Fiquei a respeitar o chef, embora a experiência tenha tido um lado Liberace, com piano branco e castiçal dourado — que lá por ser irónico não é menos esgotante.

Ricas casinhas.

Existem revistas comprometidas, como a Interni ou a Elle Decor italiana, feitas para gente que quer ser moderna, ter estilo, e impressionar os novos amigos com a mesma panache que os transportou de uma caverna das berças para o Chiado — e não há mal algum em ser ambicioso, viver com a performance ou votar convictamente no engenheiro Sócrates (outro exemplo de rapidez estonteante, embora aplicavel à formação académica).

Mas também existem revistas de decoração para quem acha que o estilo é o pior substituto da integridade. A World of Interiors não tem estilo: aqui podemos encontrar palácios barrocos do Surrey, vivendas Marroquinas, cabanas de pescadores da Nazaré (a sério), lofts no Mónaco, suites em Tribeca e palhotas do Mali. A revista é uma homenagem perpétua ao engenho humano, à sua infinita sofisticação, com belas fotos e textos cuidados. E é, além disso, uma inesquecível lição de humildade para quem julga que o bom gosto é o que nos faz encher de móveis Cappellini um apartamento cintilante em Lisboa. 

Acaba de sair um novo número, quase perfeito.

“Ó filha, é claro que a Raquelinha é apenas minha secretária.”

Para além do pequeno quiproquó mencionado no post anterior, o Partido Socialista prepara-se para fazer mais uma alteração à lei do financiamento dos partidos através do Orçamento de Estado (sim, você leu bem): a partir de agora, diz-se ali como quem não quer a coisa, os amigalhaços do PS já podem comprar imóveis ao partido por um “valor muito superior ao valor de mercado” sem que isso seja considerado um donativo. Isto é, podem financiar sem qualquer controlo a força política da sua eleição. Um especialista nesta área (Luis de Sousa, citado pelo Público) afirma que “as alterações são tão graves que é preciso ir até ao fim e investigar quem as introduziu no OE”.

É que é mesmo já a seguir.

Saldanha Sanches questiona, André Freire tem dúvidas, os comentadores da SIC Noticias ficaram lívidos. Mas Alberto Martins vai apresentar com certeza uma óptima explicação.

A queda.

A crise financeira não é o fim do capitalismo, mas pode encostar às cordas uma das suas materializações mais corrosivas — o darwinismo económico. Há bem pouco tempo, enquanto os doutores do Porto dissertavam sobre a privatização dos rios e as fragilidades da segurança social pública, este texto do João Pinto e Castro levantaria urros encolerizados entre Nevogilde e a Campanhã: 

 

Não devemos ser injustos. As tretas do Friedman deram agora barraca, mas, durante trinta anos, trouxeram prosperidade a todo o mundo numa escala sem precedentes.

Será verdade?

Não. Quando, a partir do final dos anos 70, o monetarismo foi adoptado em Inglaterra e, depois, nos EUA, o resultado imediato foi uma crise (ou melhor, duas: uma em cada país) de enormes proporções, da qual só foi possível sair com um aumento sem precedentes dos défices públicos.

As prescrições friedmanianas de controlo do crescimento da massa monetária foram prontamente abandonadas. Passado pouco tempo, nada restava da parte “científica” da doutrina.

Ficou apenas a fé ilimitada nos poderes dos mercados desregulados e a desconfiança doentia em relação aos poderes públicos, “argumentos” suficientes para justificar iniciativas como a diminuição dos impostos sobre os ricos, a desregulamentação financeira, a redução do salário mínimo e, em geral, a desvalorização das políticas sociais.

 

E hoje? Bom, ainda agora fui ver o que lhe respondiam no Blasfémias e só encontrei por lá umas graçolas requentadas sobre os tempos do Vasco Gonçalves. Aparentemente, os nossos Milton Friedmans quando se sentem ameaçados ficam imóveis à espera que passe, tal como fazem certos anfíbios para escaparem aos predadores (o darwinismo inspira-me imenso). E os liberais da outra senhora? Esses também estão a assobiar para o lado, como quem não quer a coisa. Deve ser a hora do terço. 

Francamente, já não sei o que se passa com a blogosfera de direita portuguesa — uma pessoa procura o debate e encontra um muro. Talvez valha a pena recordar aos meus amigos que acabou assim o comunismo: num dia havia uma parede, no outro não havia nada.

Let’s get lost.

Não sei se conseguirei regressar ao Doc Lisboa, mas vi ontem um documentário magnífico de Bruce Weber sobre Chet Baker e hoje conheci a selecção de filmes chineses, que parece bem interessante. Alguém que tenha uma vida vá por mim.

Santana.

Em inúmeros filmes de terror americanos há uma boneca de porcelana que ganha vida durante a noite e esfaqueia todos os bimbos da família recém-chegada, abandonando-os à sua sorte entre as golfadas de sangue e os bracinhos decepados, para logo retomar a compostura como se nada fosse até que outros turistas incautos arrendem a bucólica vivenda à beira do lago nas férias de verão.

Nós, por cá, temos Pedro Santana Lopes. 

Assim que um novo lider chega ao PSD, o Pedro senta-se de olhos muito abertos na colcha de renda, compõe o vestidinho desbotado e aguarda a sua hora. Mal cai o lusco-fusco, ele ergue-se vagarosamente e sai para o bosque atraido pelo suave clarão da fogueira em que está reunida a amável família política a cantar o Kumbaya. 

A primeira vítima é sempre o professor — trespassado por uma das próprias farpas. Logo a seguir, Pacheco Pereira perde a cabeça misteriosamente. Em breve todo o secretariado se esvai com grande aparato, numa sucessão absurda de calamidades, até ao suspiro exangue e silencioso da doutora Manuela. Um último grito horripilante ecoa por entre as árvores, e a paz regressa àquela bonita zona de veraneio. Santana, o boneco assassino, jaz tranquilamente no húmus, perto da fogueira em extinção.

 

We Ain’t Got No Money, Honey, But We Got Rain

call it the greenhouse effect or whatever
but it just doesn’t rain like it used to.
I particularly remember the rains of the 
depression era.
there wasn’t any money but there was
plenty of rain.
it wouldn’t rain for just a night or
a day,
it would RAIN for 7 days and 7
nights
and in Los Angeles the storm drains
weren’t built to carry off taht much
water
and the rain came down THICK and 
MEAN and
STEADY
and you HEARD it banging against
the roofs and into the ground
waterfalls of it came down
from roofs
and there was HAIL
big ROCKS OF ICE
bombing
exploding smashing into things
and the rain 
just wouldn’t
STOP
and all the roofs leaked-
dishpans,
cooking pots
were placed all about;
they dripped loudly
and had to be emptied
again and
again.
the rain came up over the street curbings,
across the lawns, climbed up the steps and
entered the houses.
there were mops and bathroom towels,
and the rain often came up through the 
toilets:bubbling, brown, crazy,whirling,
and all the old cars stood in the streets,
cars that had problems starting on a 
sunny day,
and the jobless men stood
looking out the windows
at the old machines dying
like living things out there.
the jobless men,
failures in a failing time
were imprisoned in their houses with their
wives and children
and their
pets.
the pets refused to go out
and left their waste in 
strange places.
the jobless men went mad 
confined with
their once beautiful wives.
there were terrible arguments
as notices of foreclosure
fell into the mailbox.
rain and hail, cans of beans,
bread without butter;fried
eggs, boiled eggs, poached
eggs; peanut butter
sandwiches, and an invisible 
chicken in every pot.
my father, never a good man
at best, beat my mother
when it rained
as I threw myself
between them,
the legs, the knees, the
screams
until they
seperated.
“I’ll kill you,” I screamed
at him. “You hit her again
and I’ll kill you!”
“Get that son-of-a-bitching
kid out of here!”
“no, Henry, you stay with
your mother!”
all the households were under 
seige but I believe that ours
held more terror than the
average.
and at night
as we attempted to sleep
the rains still came down
and it was in bed
in the dark
watching the moon against 
the scarred window
so bravely
holding out 
most of the rain,
I thought of Noah and the
Ark
and I thought, it has come
again.
we all thought
that.
and then, at once, it would 
stop.
and it always seemed to 
stop
around 5 or 6 a.m.,
peaceful then,
but not an exact silence
because things continued to
drip
drip
drip

and there was no smog then
and by 8 a.m.
there was a
blazing yellow sunlight,
Van Gogh yellow-
crazy, blinding!
and then
the roof drains
relieved of the rush of 
water
began to expand in the warmth:
PANG!PANG!PANG!
and everybody got up and looked outside
and there were all the lawns
still soaked
greener than green will ever
be
and there were birds
on the lawn
CHIRPING like mad,
they hadn’t eaten decently 
for 7 days and 7 nights
and they were weary of 
berries
and
they waited as the worms
rose to the top,
half drowned worms.
the birds plucked them 
up
and gobbled them
down;there were
blackbirds and sparrows.
the blackbirds tried to
drive the sparrows off
but the sparrows,
maddened with hunger,
smaller and quicker,
got their
due.
the men stood on their porches
smoking cigarettes,
now knowing
they’d have to go out
there
to look for that job
that probably wasn’t 
there, to start that car 
that probably wouldn’t
start.
and the once beautiful
wives
stood in their bathrooms
combing their hair,
applying makeup,
trying to put their world back
together again,
trying to forget that
awful sadness that
gripped them,
wondering what they could
fix for 
breakfast.
and on the radio
we were told that
school was now
open.
and
soon
there I was
on the way to school,
massive puddles in the 
street,
the sun like a new
world,
my parents back in that
house,
I arrived at my classroom
on time.
Mrs. Sorenson greeted us
with, “we won’t have our
usual recess, the grounds 
are too wet.”
“AW!” most of the boys 
went.
“but we are going to do
something special at
recess,” she went on,
“and it will be
fun!”
well, we all wondered
what that would
be
and the two hour wait
seemed a long time
as Mrs.Sorenson
went about
teaching her
lessons.
I looked at the little
girls, they looked so 
pretty and clean and
alert,
they sat still and
straight
and their hair was 
beautiful
in the California
sunshine.
the the recess bells rang 
and we all waited for the 
fun.
then Mrs. Sorenson told us:
“now, what we are going to
do is we are going to tell
each other what we did 
during the rainstorm!
we’ll begin in the front row
and go right around!
now, Michael, you’re first!. . .”
well, we all began to tell
our stories, Michael began
and it went on and on,
and soon we realized that
we were all lying, not
exactly lying but mostly
lying and some of the boys
began to snicker and some 
of the girls began to give
them dirty looks and
Mrs.Sorenson said,
“all right! I demand a
modicum of silence
here!
I am interested in what
you did
during the rainstorm
even if you
aren’t!”
so we had to tell our 
stories and they were
stories.
one girl said that
when the rainbow first
came 
she saw God’s face
at the end of it.
only she didn’t say which end.
one boy said he stuck
his fishing pole
out the window
and caught a little
fish
and fed it to his
cat.
almost everybody told
a lie.
the truth was just
too awful and
embarassing to tell.
then the bell rang
and recess was 
over.
“thank you,” said Mrs.
Sorenson, “that was very
nice.
and tomorrow the grounds 
will be dry
and we will put them
to use
again.”
most of the boys
cheered
and the little girls 
sat very straight and
still,
looking so pretty and 
clean and
alert,
their hair beautiful in a sunshine that 
the world might never see 
again.
and

Charles Bukowski

O principe das trevas analisa a campanha eleitoral.

Karl Rove, o principe das trevas ou o arquitecto de Bush, publicou no Wall Street Journal uma análise muito interessante da campanha, que é também um refrigério para a esquerda:

Barack Obama holds a 7.3% lead in the Real Clear Politics average of all polls, but the latest Gallup tracking poll reveals that there are nearly twice as many undecided voters this year than there were in the last presidential election. The Investor’s Business Daily/TIPP poll (which was closest to the mark in predicting the 2004 outcome — 0.4% off the actual result) now says this is a three-point race.

This week also brought a reminder that Sen. Obama hasn’t closed the sale. The Washington Post/ABC poll found 45% of voters still don’t think he’s qualified to be president, about the same number who doubted his qualifications in March.

This is seven points more than George W. Bush’s highest reading in 2000 and the worst since Michael Dukakis’s 56% unqualified rating in 1988. It explains why Mr. Obama has ignored Democratic giddiness and done two things to keep victory from slipping away.

First, he is using his money to try to keep John McCain from gaining traction. (…)

Money alone, however, won’t decide the contest. John Kerry and the Democrats outspent Mr. Bush and the GOP in 2004 by $121 million and still lost.

Algumas notas.

É a segunda vez que um leitor deste blog me sugere em comentário que tenho uma obsessão por Sócrates. Não é verdade. De facto, eu até simpatizo com o primeiro-ministro. Parece-me uma pessoa inteligente, determinada e com visão estratégica. Também o julgo desonesto, mas todos temos defeitos (Talleyrand, um homem extraordinariamente corrupto, não deixou de ser um grande diplomata).

O meu problema com o primeiro-ministro é político: creio que a sua inteligência é destrutiva, que a sua determinação é ruinosa, e que a sua visão estratégica conduzirá Portugal a uma mediocridade reles e insolente. Para um político, trabalhar muito não chega: a Justiniano chamavam o imperador que nunca dorme. Ora, também nós tivemos um homem que não dormia — Krus Abecassis. Só que enquanto o primeiro conservou Bizâncio, o segundo ia destruindo Lisboa. Algo de semelhante ocorrerá com Sócrates.  

O Partido Socialista, que teve o melhor dos berços, encarnou os valores da liberdade, da democracia e da transparência. Mas toda essa herança foi desbaratada em alguns meses, com a maioria absoluta. Hoje, o PS representa o que há de pior nos sistemas políticos da Europa do Sul: o autoritarismo dos pequenos poderes, o saque das obras públicas, a cupidez dos amigalhaços, o controlo mal disfarçado dos media, as ameaças veladas, o insulto gratuito, o servilismo dos aparatchik, a corrupção descarada, o falhanço económico.

Que tem isto a ver com um partido que se revia nos sistemas de governo nórdicos, na sua paz social negociada, na apologia do diálogo permanente, no pragmatismo das decisões políticas, no estudo honesto das alternativas técnicas? Onde está esse PS das pessoas amáveis, cultas, densas, que aprendemos a respeitar? A triste verdade é que regrediu amargamente. 

O Primeiro-Ministro decidiu responder aos anseios dos nossos pobres-diabos, dando-lhes exactamente o que queriam: alguém que mandasse, ainda que mandasse mal. Alguém que se desse ares, ainda que lhe faltasse a substância. Alguém que erguesse estradas e caminhos-de-ferro, ainda que sob um rasto de terra queimada. Alguém que citasse poetastros, distribuisse computadores e patrocinasse exposições internacionais. Alguém que um dia pudesse dizer, como os tiranetes da América do Sul: nós roubámos, desprezámos e mentimos — mas fizemos.

Este é o PS do Primeiro-Ministro. Um homem que atraiçoou os fundamentos da nossa democracia, a história do seu partido e futuro do país.

Lá se vai a disciplina de voto.

Acredito até que, se um dia alguém se dedicar a reconstituir a memória destes tempos lamentáveis, o início do fim do presente governo será atribuído aos dias em que se percebeu que quem nos liderava era afinal um perfeito espelho do seu povo: o bom português dos esquemas, dos favores de amigos, da vitória das aparências dos canudos sobre as realidades esquálidas. A verdade é simples e triste: o nosso primeiro-ministro, depois de afanosamente procurar a forma mais expedita e menos trabalhosa de compor o currículo escolar, ainda teve o topete de mandar esconder a história, mal se viu apanhado.

Grace.

There’s a moment
when the day forgives you everything,
lights up its eyes for you.
And every branch of every tree
bends your name into a rising;
one swift shot at the mark –
a ladder to heaven, illuminated.
For one moment.
And then you move on.

Lesley Strutts